a revolução e a flor da massa

revolução significa evoluir novamente. reevoluir é uma necessidade cultural, visto que a sociedade não pode viver apegada aos erros do passado na criação da prole. significa dar passos adiante afim de corrigir erros e melhorar a vida comum. revolução não é necessariamente sinônimo de luta armada, mas principalmente, de cabeças pensantes. são as cabeças pensantes que mudam o mundo, e não as mirapólvoras escondidas no subterrâneo das grandes bases militares.

um dia, desejo ver a revolução com meus olhos e não uma guerra civil. hoje, é essa a tal que se esconde nas notícias, policiais e traficantes lutando pela posse de quilos de drogas, dividindo o montante como numa bolsa de valores entre os que juram exercer uma profissão de melhoria no país. um dia verei a revolução pacífica de um povo conscientizado, carregado pelo sentimento do desengano até as portas de suas casas, e pela maravilhosa euforia de ser entendido pelo próximo em sua própria dor até as ruas.

sendo jovem, sei que estamos todos perdidos: nossos discursos foram fragmentados da colonização à ditadura, e nossos pais alienaram em medo. sou filha da geração democrática, e esqueceram de me avisar que o destino de um país estava em minhas mãos: fazer o certo, pensar sobre o erro, fazer-me voz e contar do que vejo. e muito pouco vi. não vi das favelas a política que as rege, nem do governo a grande rosa defendida pelos governadores e deputados, prefeitos e presidentes. senadores, vereadores. sei que em alguma instância, lutam todos pela mesma coisa: autonomia, direitos iguais, produto interno bruto, exportação. mas, como tudo o que é brasiliano, os discursos políticos estão fragmentados. temos objetivo, mas não método. temos o método, mas não a força motriz; e da força motriz que encontramos, não sabemos absolutamente nada. talvez, exceto, que algum outro país rico e bem estruturado já a utilize.

às vezes, quando vou às ruas lutar por algo, me sinto infantil. toda tentativa de revolução parece briga de pais e filhos, e claramente em nenhuma das lutas vão me liberar da obrigação de ser ou não ser o que me pedem. não são eles quem detém o poder, em fato, mas meus pais alienaram em medo e por isso não souberam me dizer, e nem aos grandes – este já sabe lutar. embora eu exerça meu dever (e não direito) de voto desde a adolescência, não tenho idade política para dizer que sei do que o povo precisa hoje. na prática, voto para que governem o país dos meus pais. embora eu saiba que a fragmentação cultural no brasil não é necessariamente ruim, e que deve estar amparada em todas as suas expressões por quem nos pariu, a pátria mãe, os senis que desejam herdar o país não acreditam que eu entenda do assunto. e meus pais não têm certeza se penso sobre qualquer coisa a ponto de dizer – este já pensa o mundo. o absurdo de ser jovem é esse, não me negam nada exceto o direito de mostrar que estou certo.

o brasil em breve se tornará um país de velhos, ouve-se dizer em tudo que é discussão sobre demografia. pois digo que o país já está tomado pela senilidade típica da velhice. babões paranóicos pensam, cada vez mais descaradamente, que podem esconder do povo a avareza de sua velhice precoce: “a pátria é minha”. crescem os pés de meia embaixo dos colchões, em malas e cuecas, e os tiques histéricos na televisão quando confrontados numa mentira. vivemos a era em HD, e eu até consigo ver o tremelique da sua sobrancelha quando você diz que não há dinheiro no cofre público.

do dito lixo cultural que produzimos na Bahia, no Rio de Janeiro, em Belém, no crescente nordestino, e nos confins do centro sul, vejo que são pontes entre o imaginário popular e a realidade. o povo brasiliano aprendeu o escárnio muito cedo, com Gregório de Matos e afora isso temos nossos próprios divertimentos. ainda que sejam sexuais as grandes rimas populares e não mais canções de amor – e acredite, estas ainda estão aí em algum lugar - de fato, apreciamos o sexo e o calor dos trópicos, o corpo das nossas mulheres e para cada poeta, uma linguagem.

mas foram vocês os que venderam o carnaval, e então a mulata (cujo significado ainda não se tornou positivo aos olhos de sábio nenhum); seu corpo em arte, o que corrompeu até mesmo os brasileiros a maus dizeres. uma festa rica empobrecida pela alienação. eu não sei se pintam as mulheres por quê ou porquoi, se as plumas remontam a algo específico ou se são apenas expressão da moda, se os foliões não entram em cordas por pobreza ou por escárnio aos que entram – nada disso a grande amiga da visão humana, aquela a que chamam tele-visão nos conta. e nunca mais nos contou. e se eu quiser saber, que eu vá procurar sozinha, que faço parte de um povo burro. amigo, nessas circunstâncias, quem não faz?

vamos aos nove fora: porque o carnaval enquanto festa popular, não aparece em especiais sobre sua história na televisão? a cada ano temos um novo contingente de aprendizes, que pelo fato óbvio de não terem idade suficiente para entender que o país é na verdade um quase-continente, e que por estarem imersos no centro cultural em que nasceram, não têm a menor ideia do que é carnaval nem aqui, e nem outros lugares do mundo. se ao menos uma vez nos fosse contado a verdadeira história, origem e absorção da cultura carnavalesca aqui no Brasil, um tanto de cultura popular seria fundamentada nas mentes jovens; e também o valor do feminino nu, em carros alegóricos, sem necessariamente chamá-las de mula. não haveriam, então tantas músicas defendendo os movimentos da cona feminina rua afora. eu penso e oraciono a mim mesma, que eventualmente vão acabar entendendo a diferença entre escárnio e amor, a um valor como é a feminilidade, e ainda que estejamos na era no escárnio cultural haverão boas gastas aos que quiserem uma nova revolução – pois nem a minha geração viverá para sempre.

à minha geração, aliás, eu devo dizer: todo o povo brasileiro, há muitos anos, nascem pro estado como filhos de chocadeira. alienados de pai e mãe, de direito de estado e educação. basta ir a uma escola e comprovamos isso: divorciada da união, a educação mãe e as professoras dizem que o estado pai não paga mais a pensão apropriada aos filhos, e que não sabem como alimentar tantas mentes com o tão pouco que recebe. quando é analisado o grau de (des)conhecimento dos cidadãos, o estado-pai diz que a culpa é da educação-mãe, que não soube preparar bem os filhos da nação para o exercício da soberania. já vi isso virar brocal de saia rendada aos filhos da classe a, europa afora. trata-se de uma doença chamada SAP: síndrome de alienação parental. e rendem dinheiro, esses processos. talvez eu devesse mesmo reclamar com o estado-pai, levar ele aos tribunais e alegar em bom tom que ele não me deu suporte durante meu crescimento. ele vai reclamar, dizer que pagou meu plano de saúde, me deu escola, e até pagou a comida. mas meu irmãozinho dormiu com a mãe quase duas semanas numa fila de hospital, esperando ser atendido, enquanto queimava em febre. meu estado-pai não me disse o que fazer com a cidadania aprendida em fórmulas matemáticas na escola (e aliás, sinceramente? ele não me deu foi cidadania nenhuma), nem o que fazer depois de aprender a ler e escrever. o pai é uma esfinge. decifre-o ou seja devorado.

outra grande questão com a qual me deparo todos os dias nasce do ocidentalismo, dos dizeres de que é necessário viver o ciclo escola-trabalho-dinheiro-posses-casamento-filhos em escola particular (“eu não quero meus filhos presenciando as brigas do divórcio entre o estado e a educação”). por quê eu não posso querer viver a filosofia dos anos 60, se é o que me apraz? por quê temos que estar todos imersos no século XXI? na verdade, a pergunta é mais profunda: porque mesmo sabendo que o século XXI está indo para lá de bagdá, insistimos no desejo inerte e aliciado a ter mais poder aquisitivo? por quê não, ao menos uma vez, seguir o fluxo contrário e dizer: quero menos desse consumismo, um emprego simples, uma vida calma, sem luxos – mas meus filhos deverão aprender um pouco de filosofia natural no início da adolescência, e um pouco de filosofia política mais tarde, para terem contra quem se revoltar. não é tão difícil, se não estivermos nesse ciclo caótico imposto sabe-se lá por quem objetivando o nada. Sêneca (4 a.C.? - 65 d.C.), em seu livro “da felicidade”, já nos dizia: […] certamente, nada é pior que nos acomodarmos ao clamor da maioria, convencidos de que o melhor é aquilo a que todos se submetem, considerar bons os exemplos numerosos e não viver racionalmente, mas por imitação (2012, p.8).

agora, faz de conta (e eu disse faz de conta) que o direito à escolha de como viver minha vida é meu. e, façamos de conta, também, que tenho lado a lado comigo, um contingente de milhares de jovens, todos reivindicando as mesmas coisas que eu. e que vocês sejam, já com o espírito e humor, todos velhos, que não fazem mais a menor ideia do que será o país em cem anos, enquanto eu já luto pelo futuro que quero pros meus filhos. vocês estiveram certos uma vez, meus avós lutaram pra que a ditadura não afogasse minha mãe num sistema alienado, e Caetano foi expulso do país lutando por mim. por quais motivos eu não posso lutar contra a implosão da guerra civil? por quê minhas exigências, enquanto parte integrante da união, enquanto filha da nação não podem ser atendidas? por minha idade? é necessário algum pré-requisito pra dizer ao governo – a sociedade mudou, se adeque a ela ou seja suprimido? é dito por Faure (2008) que o grande erro da educação é que impomos as crianças às crenças dominantes e às autoridades exteriores. que mudanças podemos esperar ver se perpetuamos estes mesmos pensamentos mesquinhos sobre o que é conhecimento?

o iluminismo viveu – em termos de revolução cultural – não só porque haviam pensadores. mas também porque haviam os legitimadores destes pensamentos. quem legitima diz – é verdade o que este homem diz, e eu o entendo. a arte renovou o pensamento porque um homem disse ao artista – é bom e significativo o que transfere essa imagem à realidade.

adultos, velhos cidadãos dessa nossa grandessíssima nação brasileira: legitime as ideias jovens que estão sob seu olhar – também são eles cidadãos pensantes, com necessidades cíveis e políticas, que vão além até das que vocês, no poder, já prometem dos dar: educação inclusiva, comunitária e formadora de opiniões críticas e felizes sobre o estado geral do universo e da sociedade; saúde mental, física e preventiva; segurança no ir e vir a todos os lugares; arte e imaginação. lutem vocês também pela igualdade de direitos, assegurem-se também sobre seus direitos, suas suas necessidades (e serão muitas, pelas previsões demográficas), pelos que ocuparão o poder em vinte anos. iluminemos o pensamento político brasileiro com as ideias jovens. eles querem a mudança e ainda não sabem dizer que sabem quais são – pobres infantes, seus pais acharam que não era isso mais importante que as notas baixas em Física. sonham todos os dias, acordados em suas aulas com a solução para o país – e não sabem contar o que pensam – infantes, de fato.

deparam-se os jovens professores com as possibilidades de educar melhor: nos diz o estado: não. não podemos tirar a matemática do currículo em troca de noções de economia; desculpem, é pela formação do pensamento abstrato. e tão mal-ensinada ela é, essa matemática piagetiana que ao fim da escolarização, a melhor abstração que temos é “quanto é mais quanto devo”. mas não sei poupar, investir, crescer economicamente. porque o Estado é preguiçoso, eu sou obrigado a fazer ciências contábeis a fim de aprender aquilo que o Estado não me deixou aprender na infância.

pátria mãe, dá-me qualquer coisa que ajude a escapar do modelo sociocomportamental de consumo burguês/oligárquico dissimulado no qual vêm se esmagando toda a massa populacional do país. é uma luta vil, essa de pedir misericórdia a quem tem, e bater de frente com quem pode, e muito pouco me surpreende que não se lute mais. quase não se reforçam os movimentos da classe popular – o mínimo de história prova que sempre haverá a reprodução de um mesmo interesse, não importa o quanto as máquinas pareçam mais brilhantes ou portáteis, ou quantas vagas surjam no mercado para quem nunca foi à universidade.

a little less conversation, a lillte more action, please!, é o que recomenda Elvis Presley à juventude. e que não nos faltem ideias para combater, nessa nova era que o Brasil entrará (essas são orações minhas, que sempre pensei que o mensalão é que atrasa tudo no país), era de maledicências à pátria mãe que nos pariu.

memória de vida passada em signisciência